Empoderamento Feminino

O fomento do ESG nas compras públicas

O ESG é uma tendência necessária frente às dificuldades da sociedade contemporânea. Trata-se de um conjunto de boas práticas que visa definir se uma organização é socialmente consciente, sustentável e governada de forma ética e transparente. 

A sigla surgiu em 2004, após uma provocação do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a 50 (cinquenta) CEOs de grandes instituições financeiras do mundo, indagando sobre como os bancos poderiam integrar os fatores ESG ao mercado de investimentos, resultando na publicação Who Cares Wins

No final de 2023, o Brasil passou a ser o primeiro país a adotar oficialmente padrões globais para divulgação de ESG, em razão da Resolução CVM nº 193, que estabelece “a obrigatoriedade de elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, pelas companhias abertas, após 1º de janeiro de 2026, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB)”. 

O ISSB possui grande foco em fornecer informações para que investidores possam avaliar riscos e oportunidades relativos à sustentabilidade, contendo dois padrões: o S1, voltado para a Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade e o S2, focado em Clima. 

Em razão das organizações privadas terem uma gestão administrativa caracterizada pelo investimento em práticas sustentáveis nos parece fácil a tarefa, até porque reverbera no impacto positivo na governança da atividade econômica exercida para a sociedade e atrai investidores. 

Mas para as organizações públicas, considerando que suas decisões, devem ser motivadas naquilo que a lei lhes permite fazer, como será que os órgãos e entidades da Administração Pública podem investir em ações voltadas para a sustentabilidade, sem ferir o princípio da legalidade? 

Para esta e outras respostas, é preciso rememorar a história quanto ao aparecimento da sustentabilidade no Brasil e o seu desenvolvimento. 

Sustentabilidade refere-se à condição de um processo que permite sua permanência por um certo período. Significa sustentar, apoiar, conservar e cuidar e pode ser vislumbrada em suas várias dimensões: social, ambiental/ecológica, econômica, espacial e cultural. Usualmente, esse conceito passou a ser empregado na conservação e manutenção do meio ambiente, e no Brasil ganhou notoriedade a partir da ECO-92, no Rio de Janeiro, evento considerado como marco nas discussões sobre a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. 

Importante frisar que a sustentabilidade não se confunde com o desenvolvimento sustentável. O primeiro, e conforme já falamos é um conjunto de iniciativas, ideias e soluções. São as estratégias de negócios planejadas pelas organizações. Já o segundo, é a forma de instrumentalizar essas ideias e valores no cotidiano e rotina das organizações. 

Especialmente quanto ao desenvolvimento sustentável, imperioso registrar que o tema foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, sendo mais tarde recepcionado pelo art. 225 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). 

Além da redação do capítulo destinado ao meio ambiente, a CF/88, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42/2003, incorporou o desenvolvimento sustentável como princípio previsto em seu art. 170, VI, incluindo, assim, ao lado da proteção ao meio ambiente, a obrigatoriedade de tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental, aos que conciliam o desenvolvimento econômico com o respeito à proteção do meio ambiente. 

No campo das Compras Públicas, o desenvolvimento sustentável foi inserido em 2012, na póstuma Lei nº 8.666/93, em razão da necessidade de estabelecer diretrizes claras atinentes ao papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos, já que naquela altura países como Estados Unidos, China, Colômbia e Argentina adotavam políticas semelhantes, lançando mão de margens de preferências com percentuais entre 7% e 20% para os produtos nacionais. 

Caminhou no mesmo sentido, a Lei nº 14.133/2021, que além de manter o desenvolvimento sustentável como princípio licitatório, trouxe ainda sua previsão como um dos objetivos da licitação e determinou a existência do Plano de Logística Sustentável como um dos instrumentos de Governança das Compras Públicas. 

Ao tratamos de desenvolvimento sustentável nas licitações, o que inicialmente figura em nossas mentes é adquirir produtos e/ou serviços, com potenciais fornecedores que desenvolvem suas atividades econômicas com base em políticas que não impactem no meio ambiente, ou ao menos, mitiguem o impacto eventualmente causado. 

Mas o desenvolvimento sustentável está para além das ações não degradantes ao meio ambiente. Tem como premissa maior, fornecer o caminho para manutenção da vida no planeta e o bem-estar social. Significa dizer que o Governo, além de fomentar a economia do país, possui grande responsabilidade de influenciar os novos rumos mercadológicos, partindo da premissa que o Estado tem o dever-poder de implementar políticas públicas visando o seu aprimoramento. 

No entanto, quando se introduz a preocupação com a sustentabilidade, o processo torna-se um pouco mais complexo, na medida em que o gestor público deve estabelecer regras, visando assegurar além da ampla competividade, a proposta mais vantajosa em todos os aspectos que produzam o desenvolvimento sustentável dos cidadãos, como por exemplo promover ações que erradiquem a pobreza local. 

Nessa toada, a Administração Pública está cada vez mais implementando políticas e normativos rígidos, obrigando terceiros prestadores de produtos e/ou serviços a adotarem práticas responsáveis, com vistas a demonstrar o comprometimento com os pilares ESG, pautando as seguintes ações: 

– Seleção de fornecedores – podem conceder o direito de preferência a fornecedores que cumpram com os pilares do ESG de forma sólida em suas operações. Estas podem incluir políticas ambientais, compromisso com a igualdade de gênero, com a diversidade e com práticas laborais éticas e salutares; 

– Contratações sustentáveis – podem estabelecer critérios de sustentabilidade nos requisitos de contratação, solicitando produtos e serviços que produzam um menor impacto ambiental; 

– Transparência e divulgação – os fornecedores podem ser solicitados a prestar informações detalhadas sobre suas práticas ESG como parte do processo licitatório; 

– Inovação e tecnologia sustentável – as Compras Públicas podem impulsionar demandas de soluções inovadoras e sustentavelmente tecnológicas ao querer que os fornecedores ofereçam produtos e serviços que cumpram com certos pilares do ESG. 

Concluímos assim que ao integrar os critérios ESG para as Compras Públicas, os Governos estão não somente fomentando práticas comerciais, com também responsabilidades, ao impulsionar uma economia mais sustentável e socialmente consciente.

Ana Patricia da Cunha Oliveira

Bacharel em Direito

Especialista em Gestão Pública

Coordenadora do Comitê de ESG da Associação Nacional de Compliance (ANACO Brasil)

Mentora em ESG do Ela Jurista

Este texto faz parte do E-BOOK ” Vozes Femininas na Sustentabilidade” idealizado por Daniele Ciotta da qual sou co-autora.

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