Outro dia, numa conversa informal, fui questionada sobre o gosto pelo poder, no caso seria o suposto poder que eu assumiria mediando processos para autoconhecimento e decisão profissional. Respondi que quando o poder se sobressai em meu trabalho, este não cumpre o objetivo, pois sua função é exatamente empoderar o meu cliente, colocá-lo no centro das ações. Mas sob a insistência do meu interlocutor fui, de forma desprevenida, elaborando o meu percurso em relação ao meu exercício de poder, o que agora peço permissão para compartilhar, buscando provocar uma pequena reflexão sobre o assunto.
Contos de fadas falam sobre mulheres fortes, sábias e com poderes malignos; também apresentam modelos de mulheres frágeis, encantadas e encantadoras, ingênuas e boazinhas, sempre resgatadas por príncipes e heróis. Ora, se pensarmos nesse paradigma representativo do feminino, poderíamos dizer que o poder de transformação em sua forma mais concreta reside nessa caricatura do mal, representada pelas bruxas. Por outro lado, as princesinhas aparecem como o sujeito passivo que sofre o encantamento tanto da bruxa quanto do príncipe.
É recorrente em meus atendimentos a necessidade de despertar mulheres para toda a genealogia feminina que habita no centro de cada uma, pois parece que nossa sociedade patriarcal cultuou por muito tempo a mulher como um ser quase transcendental, cuja única realização permitida era a maternidade, um papel sublime e encantador.
Talvez isso tenha contribuído para relegar a mulher a uma exclusão do processo histórico. Assim, um mundo funcional, violento e opressor se instaura e a figura feminina passivamente sobrevive à margem desse processo. Nessa linha narrativa, a mulher passou a construir, mesmo que timidamente, marcas históricas quando pôs a mão na massa, quando se tornou mão de obra desse sistema. Foi essa experiência que a levou simbolicamente a sair do castelo, a ampliar o olhar para a realidade, fazer exigências e realizar.
Talvez hoje estejamos vivendo esse misto entre a princesa ingênua, que se deixa seduzir pela superficialidade da imagem e a necessidade de realização concreta, de empreender. Empreender primeiro na própria vida, ocupar o seu lugar de subjetividade e agir a partir de seu centro vital. Esse centro é particularmente íntimo, tem força poética de natureza transformadora. É o lugar onde reside a deusa, aquela que nas sociedades pré-patriarcais diluía o poder em relações de parceria. Talvez, ainda, o grande desafio feminino seja superar a ideia de que o poder transforma, pois é provável que relações de poder apenas reproduzam relações de dominação, perpetuando assim o modelo vigente, apenas substituindo os agentes.
Assim, penso que o poder por si só é mera competição de tolos. Ao contrário: agir empoderada pela força da ancestralidade feminina, que em parceria gestou o mundo, é superar paradigmas, é transgredir modelos de dominação, é abrir espaço para a reinvenção de si, é gestar e dar luz a um lugar de convivência melhor para todos.
Recue, observe e compreenda seus modelos de poder e toque em sua deusa. Experimente realizar a partir da equidade entre o poder e a generosidade. Gosto de acreditar que o lugar do poder é um lugar silencioso de observação ampliada onde a humildade toma a proporção da força essencial para a realização, não mais como conto de fadas, mas como poesia concreta da vida.
7 pensamentos em “O lugar do poder feminino”
Excelente texto, parabéns!!!
Obrigada querida, vamo que vamo rumo ao nosso poder mais essencial. Abraço.
Bom dia Sandra,
Obrigada pelo seu texto adorei. Lembra-me que na nossa sociedade a mulher é muito vista como um ser dividido ou é boazinho e então indefesa ou quando demonstra alguma assertividade ou poder interno é mesmo vista como fria. Existe uma pessoa que fala muito desta dualidade que é Debiee Ford que adoro. E que fala que os dois lados fazem parte da mulher e que é na sua junção que a mulher está mais completa, sou admiradora, seguidora e praticante do trabalho dela. Obrigada pela sua partilha e pela sua visão um excelente dia!
Lígia,obrigada por compartilhar suas referências, assim vamos integrando nossa cadeia de sentidos pra gente ser e fazer melhor a cada dia, né? Abraço!
Obrigada Valeu! É muito bom encontrar ecos! abraços.
É muita beleza num lugar só! <3
Sandra!
Um lindo texto, com significados reveladores!!! Parabéns!