Inevitavelmente, todo ano elegem uma musa para a Festa Literária Internacional de Paraty. Seja porque homens precisem de musas para escrever, seja porque o baixo número de autoras no evento obrigue a prestar esta “homenagem”, fato é que, entra ano e sai ano, temos uma mulher incensada pela mídia, surpresa de que uma escritora, que por definição deve ser inteligente, também seja bonita e simpática. (Neste ano, a musa foi a portuguesa Matilde Campilho.)
Então vêm, a reboque, aquelas velhas discussões sobre a pertinência do rótulo “feminino” para descrever o que elas fazem: literatura. Você reconhece este debate em sua outra versão, quando questionam se é pejorativo chamar uma mulher poeta de poetisa. Seria ruim, da mesma forma, chamar a literatura escrita por mulheres de literatura feminina?
É um assunto que dá briga. Então, para desviar dela, prefiro outras perguntas: quando escrita por homens, a literatura é automaticamente boa? é viril? é determinada? é sagaz? Se pensarmos em musos literários, além de inteligentes (as pessoas acreditam piamente que escritores são inteligentes, mas isso é outro papo), o que eles deveriam ser? Bonitos? Altos? Atléticos? Carismáticos?
Quando penso em meus musos literários, eles são tudo menos isso: muitos são baixinhos e carecas, alguns gordinhos, vários são reclusos convictos, e pasmo de pensar em um que é realmente um chato de galocha quando abre a boca. Mas escrevem – uau, e como escrevem.
Para a próxima FLIP, sugiro duas coisas: primeiro, que haja mais autoras: 50% homens e 50% mulheres estaria de bom tamanho. E, segundo, que a eleição de musas seja feita como um concurso de miss, com os homens levantando plaquinhas com notas de 1 a 10 para cada autora que subisse ao palco. Diante do constrangimento que isso causaria, talvez a mídia (e nós todos, afinal), entendêssemos que as mulheres não participam de festas literárias para receberem a faixa de “musa”, mas para exporem seu trabalho.