Por Bianca Soprano
Para quem não viu o filme iraniano “A Separação” dirigido pelo talentoso Asghar Farhadi está convidado a conhecer uma das mais belas e inteligentes reflexões sobre os nossos tempos. O casal tinha um sonho: sair do Irã rumo ao Ocidente em busca de melhores condições de vida. Depois de muitos esforços, finalmente chegou o visto para Suíça, após várias tentativas negadas. E justo nesta hora crucial de partida, o pai do Nader (o marido) se descobre com o Mal de Alzheimer. A esposa Simin fica angustiada com a situação, procurando resolvê-la da forma mais prática possível, propondo que eles fossem cuidar do seu futuro, e que o pobre velho ficasse aos cuidados de uma enfermeira.
O marido não aceitou a proposta, e ela decidiu pedir o divórcio, mesmo apaixonada, mas não queria perder a oportunidade de deixar o Irã. O filme começa com o casal frente ao juiz apresentando às razões que os levaram à decisão pelo divórcio – de um modo bem iraniano de resolver as coisas, o que tornou muito mais interessante. A separação impactaria diretamente a vida de mais uma pessoa além do pai de Nader, a da filha Termeh de 14 anos. Agora, a menina também precisaria se decidir: seguiria com a mãe ou permaneceria, em Teran, com o pai?
A reflexão se dá em torno da ética e valores que alicerçam as decisões morais de cada indivíduo no mundo. A hierarquia de valores que cada um forma ao longo da vida, que pode variar muito de acordo com a maturidade e mentalidade da época em que vive, mas quando se tem princípios éticos norteadores, essa variação é forçosamente menor. Como se viu na atitude de Nader.
Não vou contar a decisão da filha, nem como se desenrolou o filme, para que assistam. Mas o que mais impressiona na história é como eles conseguiram trazer à tona a ética que orientava aquele homem e aquela mulher. Em um momento de desespero quando a esposa se deu conta que o marido não desistiria de permanecer junto ao pai, disse: “Mas ele nem vai lembrar que é seu pai!”, onde o marido respondeu: “Mas eu vou lembrar que sou filho dele!”.
O homem estava alicerçado em seu senso de dever diante daquele pai que o criou, e que não poderia ser deixado às pressas nas mãos de qualquer enfermeira, sem a sua presença constante para acompanhar como esse pai seria cuidado em sua doença. A mulher estava alicerçada no sonho moderno de melhores condições econômicas e sociais, e a consequência que isso poderia trazer a vida da família em termos de possibilidades de vida. E este é o grande convite do filme: refletir sobre quais os alicerces que servem de base e impulso para os nossos movimentos e decisões diárias, que dirigem os nossos corações e pés para o mundo.
Na hora me lembrei de uma conversa que tive com um muçulmano na Síria, em 2010, ele era egípcio e diretor da Liga Árabe no Oriente Médio. Na ocasião falávamos sobre valores humanos, e ele me dizia como os nossos valores eram diferentes dos deles. Ali, ele não se referia aos valores dos ocidentais em geral, mas àqueles de mentalidade substancialmente materialista e modernista. E disse: “para nós, a ordem dos valores é assim: em primeiro lugar vem Deus, em segundo a família, em terceiro o bem estar do outro e, só em quarto, você mesmo!” Não pude conter a surpresa e as lágrimas, e reconhecer que realmente os valores do mundo que eu conhecia eram muito diferentes.