Foram 24 países, 99.534 mil quilômetros viajados, 334 entrevistas e a certeza reforçada de que há muito para conhecer e contar sobre mulheres corajosas que, ao redor do mundo, abriram um negócio e têm feito muito mais. Quando iniciamos esse projeto global de descobrir histórias de empreendedoras e dividir a inspiração e os passos desse caminho, não passou pela nossa cabeça a real dimensão da importância e da necessidade, antes de mais nada, de falarmos cada vez mais sobre o tema. E por mais contraditório que pareça, o objetivo é que, em um futuro não muito distante, a gente não tenha de falar sobre o assunto sob a ótica do gênero — porque, afinal, essa “variável” não deveria fazer parte da “equação”.
Entretanto, a verdade é que mulheres, sim, ainda enfrentam mais obstáculos para empreender, não importando o país, a cultura ou o ambiente empreendedor. A intensidade pode variar, mas os desafios estão lá. Ao longo do caminho empreendedor, essas mulheres acabam fazendo muito mais concessões, por questão de sobrevivência do negócio, do que gostariam. Ou têm muito mais “perdas” de oportunidades do que deveriam. E enquanto enfrentam tudo isso e trabalham duro para mudar o status quo, cada vez mais elas seguem em frente, pedindo licença (ou não) e fincando bandeiras em todas as áreas, com competência e habilidade. Foi isso que a gente viu durante esses 15 inspiradores meses.
E se não bastasse a gente ver e vivenciar toda essa movimentação, o relatório do GEM – Women’s Entrepreneurship 2016/2017 mostra que a participação de mulheres abrindo negócios aumentou 10% em relação ao período 2014/2015 e que a diferença entre homens e mulheres diminuiu 5%. Além disso, mulheres têm se lançado ao empreendedorismo, com maior frequência, porque detectaram uma oportunidade. Tudo isso deve ser comemorado e falado. Tão importante quanto políticas, programas e linhas de investimento é a mudança de atitude em relação à mulher e à empreendedora.
Ao longo dos 15 meses, percebemos que vários países enxergam no estímulo ao empreendedorismo feminino um caminho promissor, rentável e, obviamente, necessário. Chile, Noruega, Líbano, Portugal, França e Ruanda são apenas alguns dos países com programas e políticas estruturadas e focadas no empreendedorismo feminino. Essas iniciativas cobrem desde mentoria, networking e acesso a mercados até as tão necessárias linhas de investimento. Vai desde o “vaucher” (entre tantas outras ideias do governo chileno) criado pela agência de desenvolvimento chilena para que a empreendedora adquira serviços para a criação do seu negócio (pesquisa, avaliação de mercado, entre outros) até o programa de formação de investidoras-anjo estruturado pelo governo norueguês, que além de “treiná-las” também entra com parte do capital a ser investido.
E não é, claro, somente de políticas governamentais que vive o empreendedorismo feminino pelo mundo. Pelo contrario. Foram inúmeras as iniciativas privadas que a gente conheceu, que são lideradas por outras mulheres (e homens) e que têm sido fundamentais. E, de novo, não se trata apenas de networking ou troca de experiências, embora também sejam importantes. São mulheres investindo em outras mulheres, com empenho. Como a gente escutou inúmeras vezes, em resposta à nossa pergunta sobre a melhor forma de apoiar o empreendedorismo feminino: invista em mulheres. Show them the money! Várias empreeendedoras que a gente entrevistou foram buscar oportunidades em outros países ou voltaram aos seus países de origem, como Cuba, Rússia, Quênia e Líbano, para construir os seus negócios por lá. Saudades de casa? Explica em parte, mas o que elas enxergaram foram oportunidades.
O projeto foi fundamental para enterrar várias das nossas ideias pré-concebidas. Mulher só abre negócio em moda, serviços ou beleza pessoal? Erradíssimo. Podem até ser a maioria, mas a gente conheceu empreendedoras nas áreas de construção, biotecnologia, realidade virtual, aumentada, games, fintechs, edtech, farmacêutica e segue a lista… Até mandando experimentos para a Estação Espacial Internacional! Mulher não é ambiciosa nos negócios? A história da Penelope Shahib pode responder essa pergunta. Jordaniana, mulçumana, com véu. Penelope começou a empresa de biotecnologia Monojo na Jordânia, expandiu para o Reino Unido, França e está em fase de expansão para a América Latina.
É óbvio que há perfil distintos de empreeendedoras, mas é a nossa percepção que muitas vezes é limitante. Não a delas. Outro lição extraordinária foi descobrir que muitas mulheres começaram seus negócios em áreas com que não tinham afinidade. Por exemplo, a gente conheceu advogada que fundou uma empresa em biotecnologia, economistas que viraram designers ou produtoras de cookies, ou ainda mulheres que não tinham cursado uma faculdade e isso em nada as segurou. Aliás, o maior ensinamento foi: comece! Não é novidade? Já escutou isso antes? Pois acredite que é a pura verdade. Comece, pois a gente nunca vai estar 100% pronta, dizem elas. Peça ajuda, mas peça ajuda com uma questão clara na cabeça — a sua principal dúvida naquele momento. E converse. Converse muito sobre a sua ideia, o seu negócio. Segredo só vale (alguma coisa) para agente secreto. Troca de ideias é fundamental para evoluir.
Ter a oportunidade única de dividir um pouco das nossas mágicas experiências e inspirar leitoras e leitores da Época NEGÓCIOS ao longo do caminho foi sensacional. Agora começa uma nova fase. Além de colocar o documentário em pé, a gente vai continuar dividindo o que viu, mas com uma pegada diferente e em uma “casa” diferente: na Pequenas Empresas Grandes Negócios. A gente vai conversar muito sobre empreendedorismo, apresentar os casos e, óbvio, contar, no detalhe, como foram essas histórias.
Muito obrigada a todos que nos acompanharam por aqui. A gente se vê na PEGN!
Texto original retirado da Época Negócios