Sempre tive uma vida agitada. Antes do acidente encarava maratonas com mais de 100 km e 20 horas de prova. Depois da tetraplegia, essa inquietude e energia – por mais incrível que pareça – ficou ainda mais frenética. A perda de movimentos e o ganho de novos compromissos, um deles é ser deputada Federal, tornou a minha rotina uma correria só. Uma pressa constante e diária que me exige agilidade e muita disciplina. Aliás, é dessa última que quero falar com você hoje: a aparentemente chata, mas abençoada, disciplina.
Todos os dias, ao acordar, faço eletroestimulação no corpo inteiro. É um exercício sagrado e que por mais tempo que demande, faz um bem danado para o meu corpo e para minha mente. Acordo mais cedo para ter um tempinho de tomar choque em minhas pernas e braços. Faço isso onde estiver: em casa, no hotel, em São Paulo ou Brasília. Não importa o lugar, a recompensa é estar pronta para encarar a correria do Plenário, das Comissões, reuniões, palestras, visitas, gravações, almoços, apresentações e mais uma série de compromissos que selam minha agenda quase de domingo a domingo.
Sei que esta avalanche de atividades não é comum a todas as pessoas com deficiência, principalmente as que vivem no Brasil, onde faltam muitas políticas públicas que encarem o cidadão com deficiência como um agente produtivo na sociedade. Sou uma privilegiada pelo acesso e estrutura que disponho e que são responsáveis por me manter viva, ativa e produtiva. E é justamente por isso que dedico cada milésimo do tempo que a minha existência aqui na Terra garante-me para produzir. Trabalho, reflexões, amor, transformações e aprendizagem. Acredite, o tempo sempre aparece quando você se disciplina a produzir coisas boas e prepara o seu corpo para isso.
Além de me eletroestimular, todos os dias quando vou ao Centro de Reabilitação Lucy Montoro, em uma brecha sagrada da minha agenda, eu consigo achar uma hora para pedalar em uma bicicleta adaptada para lesados medulares. O equipamento me permite pedalar mesmo sem os movimentos das pernas. E assim como o choque, me faz um bem gigantesco.
Sensação de bem-estar parecida sinto ao andar de Lokomat da AACD, uma esteira que me mantém de pé, simulando os movimentos de uma marcha. É sublime sentir o atrito dos meus pés no chão em uma caminhada compassada e prazerosa.
Pedalar e andar são atividades simples que você pode incorporar ao seu dia a dia. Por mais simples que lhe pareçam, são exercícios que me dão vida e disposição para encarar uma agenda, que para muitas pessoas, pode parecer incompatível a uma pessoa que não mexe do pescoço para baixo. Acredite, com um pouquinho de disciplina você pode ter uma vida muito mais saudável e produtiva. Aprender a organizar o seu tempo é uma forma de cuidar de você. E o mundo pode esperar enquanto você se prepara para retribuir o que de melhor pode oferecer às pessoas.
Mara Gabrilli é psicóloga, publicitária e deputada Federal por São Paulo. É fundadora do Instituto Mara Gabrilli, organização que apoia o paradesporto, orienta comunidades carentes onde residem pessoas com deficiência e promove acessibilidade cultural na cidade de São Paulo.