As mulheres são 51% da população brasileira, tem renda e ambições crescentes e grandes desafios a serem resolvidos. Todos os dias nós (inclusive as mulheres empreendedoras) enfrentamos situações que parecem nos levar de volta no tempo, a um tempo que gostamos de pensar que é o passado, mas que insiste em se apresentar como presente.
As formas e razões para estas situações são inúmeras, e muitas vezes estão tão impregnadas na nossa cultura que nem vemos acontecer. Anita Sarkeesian, uma jovem estadunidense que tem um blog onde faz uma análise feminista da cultura pop e é apaixonada por videogames, fez uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) para produzir uma série de 3 vídeos de uma pesquisa inspirada e inspiradora sobre a representação feminina no mundo dos videogames. A ideia gerou grande polêmica na rede, Anita foi alvo de inúmeros ataques virtuais e a grande repercussão do projeto fez com que ela levantasse mais de 158 mil dólares, 26 vezes mais do que o pedido.
Na série, que está em seu terceiro vídeo, ela mostra como a “donzela em perigo” é usada como uma desculpa tosca para desenrolar a trama da grande maioria dos mais famosos jogos, e faz uma análise de como esta abordagem é sempre desempoderadora das personagens femininas. Por exemplo: todas as vezes que nosso querido Mario – o famoso encanador, irmão do Luigi – ou qualquer outro herói dos videogames fica preso, ele precisa encontrar uma forma lógica de se libertar, resolvendo um enigma, derrotando um “chefão” ou quebrando uma parede. Já Peach, a graciosa princesa, é sequestrada por Bowser (Copa) e sempre fica imóvel esperando ser salva pelo herói. Este é só um dos exemplos mencionados.
Vendo estas análises e pensando nos brinquedos da minha infância e videogames que adoro até hoje, penso em quanto eu não gostaria mais (ainda) dos jogos se eles fossem protagonizados por meninas como eu! Quanto mais (ainda) eu não me sentiria capaz de enfrentar e derrotar meus próprios “chefões” e “prisões” da vida real se me identificasse mais com os heróis dos jogos. E me pergunto muito sobre os impactos que estas sutilezas tem sobre a visão de mundo de tantas pessoas que passam tantas horas de suas vidas sob influência dos jogos.
A indústria dos videogames movimenta US$66 bilhões ao ano, e é só um “pequeno” exemplo de mercado que poderia ser aproveitado para desconstruir relações de gênero que já não expressam a realidade em que queremos viver. Um exemplo de como um produto pode contribuir para desconstruir relações negativas de gênero é um projeto incrível chamado “Goldie Blocks”, que usa uma combinação de livro com brinquedo para contar a história de uma boneca inventora.
Ao invés de somente fazer atividades domésticas, ir à piscina ou cuidar de bebês, “Goldie” e seus amigos se envolvem em aventuras e situações em que precisam criar máquinas e engenhocas para escapar do perigo, e convida as meninas a entrarem em seu mundo e participarem construindo as invenções. Além de um exercício criativo e interativo, Goldie ajuda jovens meninas a desenvolverem capacidades lógicas e espaciais e a despertar seu interesse por construir coisas, aumentando a probabilidade de verem as engenharias como opções de carreira no futuro.
Não tenho dúvidas de que há grandes possibilidades de negócio que podem ser empoderadoras, que podem ajudar meninas e mulheres de qualquer idade a expandirem seus horizontes e seguirem com coragem os caminhos que escolherem. Vamos prestar mais atenção e ouvir com mais cuidado, pois muitas vezes a oportunidade bate bem baixinho na nossa porta – ou no nosso coração! Boa sorte buscando suas novas aventuras, estamos juntas!
Liziane Silva é cofundadora da INK – Agência de Transformação que inspira, forma e conecta pessoas e organizações que sonham grande para que realizem o seu potencial, gerem impacto e façam o novo acontecer e cofundadora da rede Global Shapers em Curitiba. É Economista pela UFPR, multiplicadora para o Brasil da Certificação Internacional em Gestão de Projetos Sociais PMD Pro1, certificada no programa Innovation Master Series pela Stanford University e em Avaliação de Programas Sociais pelo MIT Poverty Action Lab e PUC Rio. Anteriormente fez parte da Aliança Empreendedora e da AIESEC, sendo Diretora de Gestão de Pessoas, Presidente e Chair do Conselho da AIESEC Curitiba.