Empoderamento Feminino

Passado, para que te quero?

Por Lênia Luz

Senta que lá vem textão, SIM!

Semana passada nosso país foi surpreendido com um massacre, SIM, um massacre. Uma jovem de 16 anos foi estuprada por 33 homens. AH! eu sei você já sabia, pois saiu em vários jornais, programas e nas redes sociais de forma massiva, inclusive aqui no nosso BLOG ( Leia AQUI).

Mas hoje é domingo e vamos seguir com nossas vidas, afinal, tudo já é passado, não é mesmo? Não, não é mesmo!

Não podemos nos prender ao passado, é fato, a vida segue para todos. Mas também não podemos simplesmente não olhar para o passado e buscarmos curar, sanar, mudar o que for possível para que situações, como a que irei compartilhar agora, se perpetuem.

Nosso espaço fala de empreendedorismo e intraempreendedorismo, com foco no público feminino, mas quando uma de nós é agredida em qualquer instância de sua vida, cabe a nós, nos juntarmos a ela para dizermos: ESTAMOS AQUI, este espaço também é seu, por isso fale, escreva, grite, esperneie, compartilhe, pois somos solidárias a sua causa/história feminina.

Sábado de noite, ainda vendo as notícias em redes sociais e canais de comunicação me deparei com o perfil de uma empreendedora, que muito admiro mas não conheço pessoalmente, onde compartilhava um relato sobre parte de sua história. Um nó se fez em minha garganta e as lágrimas logo vieram para desatá-lo, mas a dor ficou ali. Compartilhei com meu marido e enquanto  lia, via em seu semblante a expressão da indignação e da dor que também sentia. E foi então que procurei-a via inbox e disse que se permitisse, compartilharíamos seu relato aqui no blog , como uma forma de libertação e alerta para tantas outras de nós. Ela prontamente me respondeu, autorizando.

 

Fonte da Imagem: Sabrina de Campos
                                      Fonte da Imagem: Sabrina de Campos aos 16 anos.

” ‪#‎eusousobrevivente. 19 anos atrás fui violentamente estuprada, qdo morei em Pernambuco . Eu tinha 16 anos, a mesma idade de Beatriz. Foi um pouco depois desta foto no RJ. Tive sorte! Muita sorte! De não morrer.
Tive sorte! Muita sorte! Que naquela época não existia redes sociais para me julgar. Mas teve jornal publicando q eu havia morrido, só com minhas iniciais…
Tive sorte! Muita sorte! De ter nascido branca, classe média, privilegiada, que pude ter acesso a todos os medicamentos disponíveis para evitar gravidez e curar as doenças venéreas que contraí.
Tive sorte! Muita sorte! De ter aprendido a desenhar bem e ter sido capaz de fazer um retrato com perfeição daquele monstro, de memorizar a placa da moto, facilitando sua busca e apreensão em menos de 24h.

Mas também tive azar! De passar por 5 delegacias, fazer um exame horrível no IML e ter que contar o crime a homens policiais, delegados, que desconfiaram de mim. Por que? Porque o desgraçado era informante da polícia. Sim, dedurava outros traficantes… e eu estava “atrapalhando” uma operação importante, denunciando o crime.

Também tive o azar, de ser estuprada mentalmente por mais de 30 homens, rapazes, líderes religiosos da religião opressora e extremamente machista que meus pais fazem parte: mórmon. Que em vez de me defenderem, me afundaram numa depressão juvenil com seus julgamentos.

Tive o azar de ter sido atendida por psiquiatras homens que estavam mais interessados em relatos com detalhes dos abusos sexuais que sofri na adolescência e no estupro, do que me ajudar a superar o trauma… Homens brancos, profissionais de “bem”.

Eu não ía a bailes funk, eu não usava mini-saia, não andava com traficantes, trabalhava e estudava. Não foi à noite, foi à luz do dia. Eu poderia estar vestindo uma burka e sofreria o estupro do mesmo jeito.
Ainda assim, fui julgada, não era mais considerada “pura” para me “casar com um homem de bem” da igreja… porque o que é que iriam falar, não é mesmo?

Em quase 20 anos já passei por todas as fases de uma sobrevivente de violência, de um crime hediondo: de ter pena do infeliz sendo abusado na cadeia todos os dias, até desejar sua morte nos meus pesadelos. De tentar achar alguma explicação espiritual a pensar que talvez a culpa fosse minha. De silenciar, de sentir vergonha, de fingir que estava tudo bem a mandar tudo à merda e expor mesmo.
De ter pânico ao saber que teria uma filha e chorar por semanas, com medo do que poderia acontecer no futuro.

Agora o que mais me dá raiva, não são “só” os 33 estupradores. São os milhares de pastores, bispos e outros líderes religiosos que continuam pregando com hipocrisia, culpabilizando as mulheres, sendo homofóbicos, medindo o caráter das pessoas pelo comprimento da saia. É ter que assistir uma dor coletiva, me sentir impotente e ver que nada mudou. Mentira. Mudou sim, tá pior.

Porque esta garota e outras milhares que virão nos próximos tempos, sem os privilégios que eu tive, correm o perigo de não ter assistência médica eficiente.

Outros milhões que a julgarão e que julgam diariamente as meninas, moças e mulheres pelas roupas que usam, pela cor do batom, das unhas, pelo tamanho da saia.

Aos hipócritas que me fuderam há 20 anos, um aviso: vocês também vão cair. Cansei de ver que neste tempo vcs não evoluíram e continuam com as mesmas práticas perversas, arruinando famílias. Eu já não sou a garotinha de 16 anos. E não vou poupar ninguém. Sei bem que essa mensagem vai chegar em vocês. E não é uma ameaça, é uma promessa. Por mim e por todas as garotas e mulheres que sofreram na mão de vocês “líderes de Sião”. Me aguardem! Podem treinar bem seus representantes de relações públicas, porque eles vão ter bastante trabalho.

Que a nossa raiva seja produtiva! Dar nome aos bois, denunciar, acolher uma mãe que sofre violência doméstica, não aceitar piadinha infame, cobrar de todos os deputados que se posicionem de uma vez a favor das mulheres, de não aceitar que nossos meninos sejam levados para prostíbulo e iniciem suas vidas sexuais aprendendo a tratar mulheres como objeto.

Gatilhos emocionais ativados, revirados, remoídos e vomitados. Só quem passou por isso sabe o que é.

Bora sair da inércia? O que você vai fazer a respeito?

Desejo à Beatriz que possa renascer das cinzas como eu renasci e que quem puder estar próximo da família neste momento, oferecendo qq tipo de ajuda, que o faça.” Sabrina Campos ( SABRINA BITTENCOURT)

Este relato não expõe apenas a dor de um dia, expõe a dor de uma vida toda. Mostra que TODAS nós estamos sujeitas a este tipo de crime. Quando escrevo todas, digo TODAS mesmo: mães, filhas, amigas, ricas, pobres, estudantes, trabalhadoras, donas de casa, netas, sobrinhas, afilhadas, funcionárias, profissionais de todos os segmentos, empreendedoras, intraeempreendoras: todas nós, MULHERES!  Pois não é nossa condição social, nosso capacitação ou formação que nos livra deste mal, o que poderá nos salvar é termos homens que somem conosco , que nos tratem com respeito, que não nos olhem como objetos, que se posicionem com outros homens que fazer da sexualidade feminina, um motivo de piada. Precisamos de mulheres que não pensem e falem como machistas, pois estes dias li muitas mulheres compartilhando este pensar onde diz “que ela mereceu”, ainda que não com estas palavras.Não podemos nos calar, não podemos nos omitir, doa a quem doer, pois a dor maior sempre será de quem passou pela violência.

Sabrina, sua coragem me encoraja e me faz acolhê-la num forte abraço e dizer: Como mulher, conte comigo!

___________________________________________________________________________________________

 

Conheça mais sobre Sabrina: é Fundadaroa e co-criadora da Escola com Asas, Mãe de Biel, Raquel e David. Agricultora de idéias, empreendedora social em série, investidora de sonhos, nômade.  Filhos unschoolers (que estão livres realizando seus sonhos) e fada-madrinha de algumas centenas de crianças e jovens espalhados pelo mundo.Busca apoiar todas as iniciativas colaborativas de transformação socioambiental que suas 20 horas (acordada) por dia lhe permitem!

Co-fundadora do projeto Jovens Transformadores e Diretota e Co- Fundadora do Lab del Futuro

Veja seu TED de 2014 : O que ganhei quando perdi a memória | Sabrina Bittencourt | TEDxJardinsWomen

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *