Por Lênia Luz
Simples seria passarmos batido sobre a publicação da revista Veja, na última segunda-feira.
Obviamente que esta publicação provocou reações nas redes sociais e a cada minuto vemos postagens com a hashtag #belarecatadaedolar, ilustrada com fotos de mulheres sendo quem elas são ou quiserem ser. No Instagram, a hashtag somava 3.385 publicações até hoje de manhã.
Talvez você acredite que este barulho todo seja apenas mais uma das ações de grupos feministas, ou das solteiras de plantão, ou de mulheres mal amadas e por aí vai. Bem, se você espera encontrar aqui uma defesa a estes termos não continue a leitura deste post, até porque eles não existem em meu universo. O que existe aqui é a reação a uma publicação machista e retrógrada, em dias onde nós mulheres de fato não estamos mais presas a um padrão correto ( ou incorreto ) a ser seguido.
O Brasil possui mais de 7,3 milhões de mulheres empreendedoras. Isso representa 31,1% do total de 23,5 milhões de empreendedores que empregam no país, segundo dados de um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), divulgado em 2015.
Entre 2003 e 2013, a quantidade de donas de negócios subiu 16% no país. A busca por qualificação técnica por parte da mulheres segue o mesmo caminho. Se, em 2005, elas eram responsáveis por 20% das matrículas em cursos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 2015, eram 33%. Áreas antes dominadas pelos homens contam com presença cada vez maior delas. As mulheres já são maioria em cursos dos setores de têxtil e vestuário, alimentos e bebidas e couro e calçados.
Compartilho aqui a história de Marinete Pereira da Silva que, aos 14 anos, já ganhava seu próprio dinheiro. Durante o ensino médio, fez um curso de manicure oferecido pela prefeitura da cidade de Colinas do Tocantins (TO), onde morava. Caçula de 10 irmãos, ela perdeu os pais ainda na adolescência. Até quase os 30 anos era cuidando das mãos de outras mulheres que garantia a renda.
Entre idas e vindas, inquieta, ela mudou para Belém, Fortaleza, voltou para o Tocantins e, então, decidiu largar tudo e tentar a sorte em Portugal. Aos 37 anos, lá estava Marinete atravessando o Atlântico atrás de uma vida nova em Lisboa, onde ficou por nove anos. No início, vivia de “bicos”mas depois conseguiu um emprego fixo em uma fábrica de calçados. Foi lá que ela conheceu o futuro marido, o português Fernando Jorge de Jesus Santos, que trabalhava na mesma fábrica. Com o dinheiro que ganhavam, eles compraram um terreno aqui no Brasil, em Colinas do Tocantins, onde havia alguns cômodos construídos. “Vimos que dava para construir outros, reformamos o que já estava pronto, construímos mais e, assim, estavam prontas oito quitinetes para aluguel”, diz.
A crise econômica na Europa e problemas de saúde fizeram Marinete e o marido se mudarem de vez para o Brasil em 2012. Ao chegarem Jorge procurou o curso de Pedreiro no SENAI e ela, de promotora de vendas. Depois veio a oportunidade de fazer o curso de Pintura Residencial, também no SENAI. Marinete não pensou duas vezes. “Alugávamos as quitinetes e, toda vez que saía um inquilino, era difícil conseguir um bom pintor. E eles cobram muito caro. Então pensei em fazer o curso, fiz e gostei”, conta.
A partir daí Marinete estava habilitada para colocar a mão na massa cuidando do próprio negócio mais de perto. Ela passou a pintar todas as oito quitinetes sempre que necessário e até a fazer serviços particulares. Em parceria com o marido pedreiro o negócio foi ampliado. “Construímos mais duas unidades e agora temos 10. O Jorge constrói e quando termina, eu cuido da pintura”.
Marinete Silva e Marcela Temer, tão mulheres e tão verdadeiras dentro de suas ESCOLHAS, cada uma com a sua. A escolha de uma não invalida a da outra, e nem faz o marido de uma ter menos sorte do que o de outra e tão menos servem de padrão para ninguém. Mas, por certo uma publicação com o título: “Marinete Silva:”Fodástica, batalhadora e empreendedora” não teria lugar na mesma revista e nem causaria tanto barulho nas redes sociais.
O fato é que, não podemos aceitar que publicações como estas nos definam dentro do “modelo perfeito” a ser seguido. Pois, não existe modelo e tão menos perfeito, e cá entre nós, como diz Martha Medeiros: ” Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas. Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa mortal. Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância. PH neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas. “
Beijos de nada de INHA