Por Empreendedorismo Rosa direto da revista Marie Claire
Por mais que recebam elogios, promoções salariais e até prêmios, elas não confiam na própria capacidade. Não se acham merecedoras do que conquistaram e acreditam que o sucesso veio por sorte ou pelo acaso. Carolina, Carla e Ana Isabel, donas de trajetórias profissionais brilhantes, contam como combateram a síndrome que faz com que mulheres que chegaram ao topo se sintam uma fraude
A atriz americana Jodie Foster, 53 anos, é dona de duas estatuetas do Oscar e tem uma prestigiada carreira como cineasta e produtora. Em maio deste ano, viu seu nome ser eternizado na Calçada da Fama de Hollywood. No entanto, Jodie já declarou que sofre de uma estranha sensação: a de se sentir uma fraude. Ao ponto de esperar que, a qualquer momento, os membros da Academia batam em sua porta pedindo de volta os prêmios que lhe concederam. Pode parecer excesso de modéstia e até excentricidade de estrela de cinema, mas não é. A angústia da atriz é um mal típico de mulheres bem-sucedidas que não se acham merecedoras do sucesso alcançado. Elas se sentem “impostoras” e temem ser “desmascaradas” na primeira decisão errada que tomarem.
Um estudo realizado pela Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, mostrou que 70% das americanas entrevistadas (todas executivas de prestígio) sofrem do problema. É o caso da paulista Carolina Baracat, 39. Há dois anos, ela foi uma das responsáveis pela chegada ao Brasil do Spotify, a plataforma sueca de música online com mais de 40 milhões de usuários no mundo. No entanto, antes de assumir o posto de diretora de marketing para a América Latina da empresa, Carolina precisou tirar um período sabático para se livrar dos questionamentos que a impediam de seguir em frente.
“Antes do Spotify, trabalhei 14 anos em uma multinacional de telefonia. Entrei como estagiária e cheguei à gerência sênior, com uma equipe numerosa”, conta. “Pedi demissão porque não tinha certeza sobre até que ponto a sorte, a competência dos meus funcionários e a política de crescimento da empresa haviam me ajudado. Onde ficava meu mérito naquilo tudo? Onde estavam meus toques pessoais?” Carolina procurou terapia, auxílio de coaches de carreira e até meditação para vencer a sensação. “Mas ela ainda aparece em pequenas doses. Quando tenho que dar uma palestra falando sobre meu trabalho, por exemplo.”
Choro no banheiro
No décimo andar de uma das torres acopladas ao Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, numa sala elegantemente decorada, trabalha a advogada paulista Josie Jardim, 49. Diariamente, ela dá ordens a 65 funcionários em dez países, no braço latino do setor jurídico da GE, multinacional americana de tecnologia. Não bastasse o prestígio do cargo, já ganhou vários prêmios, entre eles o de profissional mais admirada do ramo no Brasil, em 2015. No entanto, assim como Carolina, Josie também já foi assombrada pela “síndrome da impostora”. “Ao longo da carreira não foram poucas as vezes em que me bateu vontade de me trancar no banheiro para chorar”, revela. “Achava que sempre tomava más decisões e que, uma hora ou outra, descobririam que sou uma fraude.”
Dedicada, a advogada teve sua primeira promoção aos 29, quando virou diretora jurídica da Motorola. “Corri para o carro e gritei de alegria para comemorar a proposta. Mas logo vieram as incertezas: nunca havia sido chefe e, de repente, tinha até secretária”, lembra. Josie padecia em silêncio para não deixar transparecer o nervosismo ao resto da equipe.
Para a coach Renata Rocha, criadora do YOUniversality, empresa que promove cursos de autoconhecimento e orientação vocacional, a principal razão de essa síndrome acometer mais “vítimas” femininas tem motivações bem precoces. “Na infância, as meninas são elogiadas pela beleza, enquanto os meninos, por serem espertos ou corajosos. Não é à toa que nunca temos certeza da nossa competência.” A psicóloga americana Valerie Young, autora do livro Os Pensamentos Secretos das Mulheres de Sucesso: Assuma os Méritos de Sua Vida Profissional (Saraiva, 248 págs., R$ 35), explica que as “impostoras” também se cobram demais. “Elas têm padrões altíssimos do que é ser uma profissional qualificada. Esquecem que não existe ninguém perfeito, nem na carreira, nem na vida.”
Esse nível de exigência começa já no currículo. Uma pesquisa divulgada pela empresa de tecnologia HP, em 2013, mostrou que, na hora de se candidatar a uma vaga, elas só o fazem se preencherem todos os pré-requisitos. Já os homens mandam o currículo se tiverem apenas 60% das habilidades requeridas.
A advogada Josie, por exemplo, deixou de aceitar um convite para ser CEO de uma empresa para a qual trabalhou por não se sentir capaz. “Meu próprio chefe dizia que eu poderia assumir sua cadeira. Mas nunca quis. Faltou segurança.”
A empresária paulista Ana Isabel de Carvalho Pinto, 38, também se pauta por padrões inalcançáveis. Há quatro anos, fundou uma das plataformas digitais de moda mais bem-sucedidas do país: a Shop2gether. O portal comercializa mais de 200 grifes e tem a difícil missão de bater metas mensais em tempos de crise. “Meu marido costuma dizer que passo elefantes pelo buraco da fechadura. Mas só eu sei que, por trás dessa segurança que passo, tem muita angústia envolvida”, diz ela. “Vendo um peixe para a minha equipe sabendo que, no fundo, há chances de dar errado. Nem sempre estou segura do que falo, nem sei se vai dar certo.”
Talento ou sorte?
A dentista e empresária paulista Carla Renata Sarni, 42, é quem está à frente dos 203 consultórios franqueados da rede Sorridents, empresa que fundou e virou até objeto de estudo na Universidade de Harvard, tamanho o sucesso de mercado. No entanto, prefere creditar seu êxito a “pura sorte”. “Estava no lugar certo, na hora certa”, diz, quase se desculpando. Sua trajetória, no entanto, teve muito mais do que acaso: foram 20 anos de trabalho duro. Na faculdade, Carla vendia bombons para pagar a mensalidade. “Quando me formei, montei um consultório em cima de uma padaria e ofereci parcelamento de consultas para pacientes carentes”, diz a dentista.
Segundo a psicóloga Valerie, o “acaso” é a principal crença das “impostoras”. Elas tendem a sabotar o próprio sucesso. “São profissionais que deixam tarefas importantes para depois porque acham que não vão conseguir fazer. Outras viram workaholics porque acreditam que precisam trabalhar duas vezes mais que os outros para compensar alguma coisa”, diz. Carla, por exemplo, só se permitiu tirar dez dias de licença-maternidade e precisou de ajuda para conseguir diminuir o ritmo. “Fiz um coach por um ano e meio porque sentia muita culpa em ter de deixar o trabalho para cuidar dos filhos”, conta a dentista, mãe de dois adolescentes.
Análise em primeiro lugar
Livrar-se da síndrome da impostora exige boa dose de autoanálise. Um dos primeiros passos é saber aceitar os elogios. “Acreditar nas pessoas que ressaltam nossas qualidades nos ajuda a ganhar autoconfiança. Às vezes, as ‘impostoras’ têm dificuldade até de receber elogios, acham que os outros estão apenas sendo gentis”, diz a coach Renata Rocha. “Outro passo importante é ouvir colegas da mesma área que admiram. Isso ajuda a perceber que elas também têm suas inseguranças.”
Renata também recomenda um exercício: fazer uma lista de tudo que se faz bem e o que precisa ser melhorado. “A partir disso, é só traçar um plano. Fazer aquele curso de inglês muito adiado, arrumar um tempo na semana para passar só com os filhos, só com as amigas”, explica. “Muitas mulheres acreditam que a carreira é o definidor do que são e colocam toda a energia nela. Por isso, se exigem tanto.” A psicóloga Valerie Young afirma que “não existe um botão mágico que nos faça mudar de ideia sobre nós mesmas”. “Mas ajuda saber que não existe supermulher”, diz. Vale também mirar no exemplo de profissionais como a americana Sheryl Sandberg. A chefe operacional do Facebook já declarou que não há dia em que não se sinta uma fraude. Mas isso não a impediu de se tornar uma das executivas mais bem-sucedidas do mundo.
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